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Pirataria (10/03/2015)
A pirataria não se limita apenas à música, mas nos últimos anos
tem ficado muito evidente a disputa entre gravadoras e outros meios de
divulgação de músicas como os torrents de cópias não autorizadas e até serviços de streaming de música.
Uma definição genérica de pirataria seria a reprodução não
autorizada de uma informação. Definindo dessa forma estariam abrangidas
diversas formas de pirataria como pirataria de música, filmes, softwares,
marcas, projetos, etc.
Considerando que pirataria é algo errado, qual seria a punição
justa para o infrator e qual seria a compensação justa para o prejudicado?
Uma forma de se fazer isso seria determinar que parte dos lucros
obtidos com o uso da informação pirateada seja destinado ao criador da informação.
Essa abordagem não seria aplicável aos casos em que o infrator
utilizasse a informação sem fins comerciais. Logo, com essa abordagem, não
haveria punição para as pessoas que fazem cópias não autorizadas de música para
o próprio entretenimento nem para distribuição gratuita.
Além de ser difícil estabelecer qual proporção seria a justa,
também há a dificuldade de se estabelecer o montante total sobre o qual essa
proporção se aplicaria. Por exemplo: uma fábrica de mesas que vende dois
modelos: um projeto copiado da concorrência e um projeto próprio. Nesse caso, é
possível separar contabilmente os custos e receitas provenientes de cada
modelo, mas é muito difícil determinar a valorização da marca ou a sinergia de
vendas por oferecer dois modelos ao invés de um. Outro exemplo seria no caso
dessa fábrica copiar diversas partes de concorrentes distintos. Seria muito
difícil determinar a contribuição nos lucros devido a cada componente copiado.
O que esse texto pretende deixar claro é que é praticamente impossível
quantizar o valor de uma informação. Um livro pode apenas ser um conjunto de
folhas de papel se não for lido ou pode ser um meio de mudança para um eventual
leitor que aplicar em sua vida as informações contidas neste hipotético livro.
Hoje, nem o papel é necessário para divulgar informações.
Provavelmente você está acessando a essas informações no seu próprio
dispositivo.
Assim, qual seria o valor justo por essas informações,
independentemente se pirateadas ou usadas de maneira original?
Quando comecei a escrever esse texto eu tinha a opinião de que a
informação não pode ter um valor definido pois o valor percebido pelo usuário
depende de como a informação é usada, ou seja, dependeria mais de quem usa do
que quem cria. Assim, seria natural divulgar a informação sem custos. Porém,
conforme fui escrevendo, também fui imaginando que esse texto poderia ser
“pirateado” seguindo o raciocínio de que a informação pudesse ser divulgada sem
custos. Pensando mais sobre o assunto, não me parece justa a possibilidade de
que alguém copiasse meu texto e se apresentasse como autor, ou se monetizasse
através de propagandas associadas ao texto que eu criei; sendo que eu, que sou
de fato o autor, não estou sendo monetizado pela minha criação.
Ou seja, ainda que seja difícil definir um valor para a
informação, não é justo que outra pessoa utilize a informação sem o
consentimento explícito ou implícito do autor. Suponha que você esteja
escrevendo um diário e que você se reserve ao direito de mostrar o seu diário
apenas a algumas pessoas. Seria justo que uma dessas pessoas fizesse uma
fotocópia do seu diário e divulgasse para outras pessoas sem seu consentimento?
Provavelmente não. Talvez minha comparação pareça absurda pois estou comparando
pirataria com invasão de privacidade. Mas, na hipótese de que algo que digo ou
escrevo seja divulgado sem meu consentimento, isso seria um caso de pirataria
ou de invasão de privacidade?
Normalmente quem nunca divulgou nada pode achar bobagem se
preocupar com pirataria. Eu mesmo, antes de escrever esse texto, não me
preocupava tanto. Mas considerando que pirataria e invasão de privacidade podem
ser conceitos difíceis de se distinguir, fica mais fácil aceitar a pirataria
como algo errado.
Voltando ao exemplo da mesa, o próprio conceito de mesa não é
uma ideia original. Deveriam todas as fábricas de mesa pagar pelo uso do
conceito aos herdeiros do criador do conceito de mesa? Deveria o autor deste
texto pagar aos portugueses por utilizar o idioma português?
Esse tipo de questionamento me faz pensar que os direitos sobre
a criação de uma informação não deveriam ser transmitidos hereditariamente. E,
nesse caso, é improvável que eu mude de opinião depois de morrer. Talvez se
meus pais fossem autores de informações bastante rentáveis eu tivesse opinião
diferente, mas ainda acredito, por exemplo, que os herdeiros do inventor da
roda não devessem ser eternamente remunerados pela invenção da roda.
O que se faz ao proteger uma informação é impedir que o
consumidor receba essa informação por outros meios que não seja os meios
autorizados pelo criador. Isso faz com que o consumidor seja obrigado a pagar o
preço que se cobra para ter acesso à informação pelos meios oficiais. E é assim
que o preço da informação é definido.
Quando se compra uma informação, não está sendo cobrada apenas a
mídia física ou o serviço de download.
Isso é fácil de se perceber ao verificar que dois discos de tecnologias
similares podem apresentar grande diferença de preço. Se os discos são
fisicamente similares, essa diferença só seria justificável pelo valor que se
cobra pela informação contida em cada um deles. Mas, mesmo pagando pela
informação, o consumidor não tem liberdade para usar dessa informação como bem
entender. Ainda que se compre uma informação por meios oficiais, normalmente
são impostas restrições que impediriam o consumidor distribuir essa informação.
Ou seja, cobra-se pela informação, mas não é permitido o uso dessa informação
de maneira livre.
Outra questão interessante sobre a pirataria é o conflito entre
os interesses do criador da informação e da sociedade. Se a informação se trata
de uma tecnologia que traria benefícios a vida das pessoas, o criador dessa
tecnologia poderia ser melhor remunerado ao restringir o acesso a essa
tecnologia em comparação a livre disseminação da mesma, ainda que mais pessoas
se beneficiassem no caso da livre disseminação. Por outro lado, se nenhuma
informação fosse protegida como seria remunerado o criador da informação?
Uma maneira de tornar menor o conflito de interesses entre quem cria
a informação e quem consome a informação seria que o criador da informação
vendesse a informação para distribuidores (gravadoras, editoras, fabricantes, etc) sem exclusividade. Por exemplo: vamos supor que uma
empresa desenvolva um jogo e venda para outra os direitos de publicar o jogo.
Se a empresa que publica o jogo não estiver atuando de maneira satisfatória,
seja porque cobra muito caro ou não consegue distribuir o jogo de maneira
adequada, a empresa desenvolvedora poderia vender os direitos de publicação
para outras empresas. A partir de então haveria mais de uma empresa concorrendo
na publicação do jogo.
Acredito que, da forma como as leis são atualmente, seja
possível vender informação a distribuidores sem exclusividade, como
exemplificado no parágrafo anterior. Talvez isso não seja feito por,
possivelmente, ser menos rentável. Mas, ainda que fosse feito, não resolveria o
problema de uma mesma empresa criar e distribuir a informação. Nesse caso,
provavelmente seria de interesse da empresa manter o monopólio da distribuição
para aumentar sua lucratividade, ainda que esse monopólio fosse contra o
interesse da maioria da sociedade. Nos casos em que a informação se trata
apenas de entretenimento ou outros supérfluos, o monopólio não caracterizaria
grande prejuízo a sociedade. Mas isso poderia ser bastante prejudicial para a
sociedade no caso de a informação monopolizada se tratar de tecnologias
importantes para a sobrevivência das pessoas como patentes das áreas de saúde e
segurança, por exemplo.
No caso em que o
monopólio da distribuição de informação importante para a sobrevivência das
pessoas estivesse prejudicando a sociedade, poderia haver um mecanismo legal
que permitisse a sociedade obrigar quem criou a informação a leiloar a
distribuição da informação entre outros interessados.
No caso de informações supérfluas como música, marcas, etc, caso esteja insatisfeito com os preços praticados, o
leitor é convidado a conhecer os artistas e fornecedores locais. Provavelmente
o leitor considere caros os produtos distribuídos através de monopólio de
grandes empresas transnacionais e seja influenciado a adquirir esses itens
devido a propaganda construída para os mesmos. Mas se o leitor conseguir vencer
a barreira da propaganda é possível que consiga bons fornecedores locais a
preço mais acessível.