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Morte (24/07/2015)
A morte é o fim da vida. Se viver é considerado algo bom, então
a morte seria algo ruim. E o raciocínio inverso também é possível. Afinal,
viver é bom ou ruim?
Muitas pessoas acreditam que a vida deve ser preservada ao
máximo. Como se a vida fosse algo sempre bom. Nesse artigo essas pessoas serão
referidas como “defensores da vida”.
Quando um animal está agonizando e a recuperação dele é inviável
as pessoas aceitam que a vida do animal seja sacrificada para que ele não sofra
desnecessariamente. Mas, é comum que as pessoas não aceitem que essa decisão
seja feita em relação à vida de seres humanos.
A vida do ser humano é muito valorizada em algumas situações
apesar de nem sempre as pessoas tratarem bem umas às outras. Acaba se criando
situações intrigantes como nos casos em que uma pessoa deseja morrer e as
outras tentam impedir. Isso é estranho porque, em um primeiro momento, parece
que as pessoas se importam com o suicida, mas se uma pessoa deseja acabar com a
própria vida possivelmente as outras pessoas não estavam tratando bem quem
deseja morrer.
As pessoas tentam evitar um suicídio alheio porque elas se
comovem ou tentam evitar a culpa? E as pessoas que se comovem, se comovem com o
que? Com o fim da vida de uma pessoa que o próprio suicida acredita que não
vale a pena? E as pessoas que evitam a culpa? Não se sentiriam culpadas se quem
elas tratam mal morresse de causas naturais?
É claro que ocorre arrependimento em alguns casos de pessoas que
tentam se suicidar. Mas é possível que haja situações em que pode se considerar
aceitável que uma pessoa não deseje mais viver.
Uma pessoa que esteja impossibilitada de fazer o que gosta seja
porque está debilitada pela idade ou por alguma doença, que não tenha a amizade
de ninguém seja por azar ou decisões ruins, que não sinta prazer com mais nada
e esteja sofrendo precisa continuar viva por quê?
E quando a pessoa está tão debilitada que é incapaz de decidir
sobre a continuidade da própria vida? É correto ocupar indefinidamente um leito
no hospital e o trabalho de profissionais de saúde que poderia ser usado para
tratar outras pessoas com recuperação certa?
Normalmente espera-se que o Estado ofereça esses recursos
ilimitadamente. Mas todos recursos são finitos. Essa é uma justificativa
econômica para a eutanásia e mesmo assim, quando se refere aos entes queridos
de uma pessoa, há uma tendência de não se medir os recursos.
Isso é tão comum que os próprios médicos são quem decide se uma
pessoa deve continuar a receber tratamento ou se deve ter a vida interrompida.
Como a prática da “eutanásia” é proibida, o eufemismo que se usa é a discutível
“morte cerebral”. Não seria melhor se as próprias pessoas pudessem optar pela
própria eutanásia ou pela eutanásia de seus familiares incapacitados ao invés
de uma terceira parte, os médicos, decidir isso por elas? Não está sendo
proposto que todas as pessoas sejam mortas por qualquer doença, mas que se
ofereça a possibilidade de as pessoas decidirem com o esclarecimento do médico
o momento em que suas vidas e as vidas de pessoas próximas que estejam
incapacitadas sejam interrompidas.
Se a lei permitisse a eutanásia, esse procedimento não seria
algo que os médicos têm que decidir através de critérios obscuros. É comum o
argumento dos “defensores da vida” de que eutanásia seria um tipo de assassinato.
Isso acaba sendo verdade simplesmente porque a lei proíbe esse procedimento.
Mas, se fosse permitida por lei, a eutanásia seria tão assassinato quanto as
mortes causadas por guerras, pena de morte e legítima defesa. Ou seja,
eutanásia não seria assassinato se fosse permitida por lei.
Encerrar a vida em uma decisão consensual me parece muito mais
humano e misericordioso do que estender ao acaso o sofrimento e a agonia de um
moribundo. Desse ponto de vista os “defensores da vida” me parecem muito mais
sádicos do que humanistas.
Outro tipo de morte que os “defensores da vida” condenam é o
aborto. É certo que uma mulher que não queira parir e criar uma criança seja
obrigada a fazer isso no caso de ficar grávida simplesmente porque outras
pessoas acham errado o aborto? Não importa se essa mulher ficou grávida porque
foi estuprada, porque o anticoncepcional falhou ou se porque simplesmente foi
irresponsável. Se existem maneiras de interromper uma gravidez indesejada, por
que não as utilizar? É mais humano preservar a vida de um feto que não tem
nenhum tipo de consciência do que dar o direito às mulheres de decidirem como
conduzir a própria vida? O que se verifica na prática é que as pessoas acabam
fomentando o crime organizado através de clínicas clandestinas de aborto
simplesmente porque a lei não permite o aborto.
Independentemente do juízo de valor sobre a morte, a morte é o
fim necessário, ninguém vive para sempre.